Na Rua do Pinheiro

segunda-feira, 18 de abril de 2011

A Festa dos Cravos


As flores do Jardim dos Cravos acordaram muito felizes naquele dia. A alegria era tanta que cantaram toda a manhã. E, para se tornarem ainda mais bonitos, os cravos lavaram as suas pétalas brilhantes com as gotas da chuva que caíra durante a noite.
Todos falavam ao mesmo tempo, em grande alvoroço, de uns canteiros para outros. Era tal a confusão que não se percebia nada do que diziam.
Os cravos mais jovens olhavam para tudo aquilo muito admirados. Que estaria para acontecer? Qual a causa de tanta felicidade? Decerto não era a vinda do jardineiro, pois ele só
viria regar o jardim no primeiro dia da semana… e ainda era sábado!
Que estranho!
Foi então que o Cravinho Curioso dirigindo-se ao Cravo Mais Velho do Canteiro do Lado, perguntou:
- Vizinho, qual o motivo de tanta agitação? Que está para acontecer?
- Sabes, meu filho, – respondeu o Cravo Mais Velho do Canteiro do Ladovamos comemorar o dia de hoje.
- Vão comemorar o dia de hoje! E porquê? – Perguntou o Cravinho Meio Escondido Entre Todos os Outros.
- Porque hoje é dia 25 de Abril!
- 25 de Abril!? E depois? O que é que isso tem? - Responderam os cravinhos todos ao mesmo tempo.
- Porque há muitos anos, no dia 25 de Abril, as pessoas conquistaram a liberdade!
O Cravinho Rebelde afirmou enfadado:
- Mas que grande acontecimento…! As pessoas conquistaram a liberdade! E porque é que temos de nos meter na vida das pessoas? Somos uns simples cravos! Não temos nada com essa liberdade, ora essa!
- Estás enganado meu filho. Nós, cravos, também participámos na conquista da liberdade das pessoas…
Os cravinhos estavam cada vez mais surpreendidos. Podia lá ser! Como é que os cravos podiam interferir na vida das pessoas? Decididamente, os cravos mais velhos daquele jardim estavam todos malucos!
- Eu sei que é difícil compreenderem… vou contar-lhes a história desde o princípio. Oiçam com atenção.
Os cravinhos ajeitaram-se ao lado uns dos outros para ouvirem melhor. Que maravilha! Uma história!
E o Cravo Mais Velho do Canteiro do Lado começou assim:
- Portugal, como todos vocês sabem, é um país muito bonito: é quase todo rodeado por mar e, por isso mesmo, possui maravilhosas praias de areia fina e doirada; o clima é ameno, o céu mantém-se azul durante quase todo o ano e o sol brilha com grande intensidade; tem campos verdejantes, serras e montes por onde correm rios que cantam, serpenteando entre as pedras. Mas, há muitos anos, apesar de toda a beleza de Portugal, as pessoas não eram felizes. Viviam muito, muito tristes, porque lhes faltava algo muito importante…
- O quê? Que lhes faltava? – Inquiriu o Cravinho Curioso.
- Aposto que não tinham a tal liberdade. – Disse o Cravinho Rebelde – não podiam vir à rua e agora já podem…
- Também não podiam ir à praia…? – Murmurou o Cravinho Meio Escondido Entre Todos os Outros.
- Sim, podiam ir à praia e podiam ir à rua, mas a liberdade não é apenas isso… – continuou o Cravo Mais Velho do Canteiro do Lado – a liberdade que as pessoas queriam estava nas mãos dos Homens Maus.
- Homens Maus!!! – Gritaram os cravinhos surpreendidos. Até o Cravinho Meio Escondido Entre Todos os Outros tentou esconder-se ainda mais.
- Os Homens Maus eram os governantes de Portugal. Governantes que subiram ao poder sem pedirem a opinião de ninguém, isto é, sem ninguém votar neles. Naquele tempo, os Homens Maus controlavam o país.
Os cravinhos estavam cada vez mais admirados. Que história impressionante!
- Quando os Homens Maus subiram ao poder criaram leis que aterrorizavam toda a gente. Era grande a amargura das pessoas.
- Conta, conta! – Pediram os cravinhos, intrigados.
- Proibiram as crianças de brincarem umas com as outras. Na escola, os meninos iam para uma sala e as meninas iam para outra. E foram feitos altos muros a dividir o pátio da escola.
- O quê?! No recreio também não brincavam juntos?
- Não. Era proibido. E na escola tinham de usar roupa igual, todos usavam uma bata da mesma cor. E o pior de tudo acontecia quando os rapazes cresciam…
Os cravinhos estavam suspensos das palavras do Cravo Mais Velho do Canteiro do Lado.
- Quando cresciam, os governantes obrigavam os jovens a irem para a guerra, e a matarem as pessoas que viviam em países do outro lado do mar. Era uma guerra que eles não compreendiam. Muitos morreram e os que voltavam ao fim de dois ou três anos, voltavam doentes, alguns até, aleijados.
Os cravinhos ficaram pensativos ao ouvirem aquilo. Aquela história era, na verdade, aterradora.
- Mas não acaba aqui a maldade dos Homens Maus!... Só eram publicados os livros, as revistas e os jornais, depois de serem lidos pelos ajudantes deles. O mesmo se passava com os filmes, as musicas e as peças de teatro. Tudo quanto se relacionasse com a educação e que não fosse aprovado por eles era considerado proibido.
- Isso é que era bom! – Ripostou o Cravinho Rebelde – Se fosse comigo, eu só veria aquilo que gostasse! Ninguém me obrigaria a ver outra coisa!
- Eu – acrescentou a medo o Cravinho Meio Escondido Entre Todos os Outros – iria fazer queixa à polícia…
- Os Homens Maus pagariam uma multa… para aprenderem – disse o Cravinho Curioso – como aconteceu a semana passada com o senhor da sapataria, que estacionou o carro em cima do passeio, mesmo frente ao nosso jardim…
- Ninguém falava, ninguém se queixava. Aliás, até tinham medo de falar. – Continuou o Cravo Mais Velho do Canteiro do Lado.
-Tinham medo de falar! Que horror! Porquê?
- Porque naquele tempo, além dos polícias das multas, como o Cravinho Curioso referiu, também havia outros polícias, que andavam disfarçados, ninguém os conhecia. Eram os Vigilantes dos Homens Maus. Misturavam-se com as pessoas por todo o lado: nos cafés, nos cinemas, nos mercados, nas ruas…
- Porque é que andavam disfarçados? – Perguntou o Cravinho Curioso.
- Para ninguém saber que eram Vigilantes. E quando apanhavam alguém a dizer mal dos Homens Maus ou a ler alguma coisa proibida, levavam-no para a prisão e batiam-lhe até a pessoa só dizer aquilo que eles queriam. Muitas vezes as pessoas eram sujeitas a grandes torturas na prisão.
- Malvados! – Disse colérico o Cravinho Rebelde.
- Por tudo isto, as pessoas viviam amedrontadas, sem alegria de viver. Continuou o Cravo Mais Velho do Canteiro do Lado – Temiam falar umas com as outras, sempre receosas de serem apanhadas pelos Vigilantes.
O Cravinho Rebelde lembrou:
- Fariam melhor se fugissem…
- Impossível. Até nas fronteiras havia Vigilantes.
Os cravinhos ficaram pensativos. Aquilo deixava-os cheios de pena das crianças e adultos daquele tempo.
- Agora compreendo porque é que a liberdade não é só ir à praia e andar na rua… – sussurrou o Cravinho Meio Escondido Entre Todos os Outros.
- Mas ainda não contaste como é que os cravos ajudaram as pessoas a adquirir a liberdade. – Disse o Cravinho Curioso.
- Aconteceu o seguinte: alguns soldados, revoltados com tudo o que se estava a passar, pensaram em tirar os governantes do poder. Organizaram tudo secretamente e no dia 25 de Abril de 1974 pegaram em armas e marcharam contra os Homens Maus. As pessoas olharam por trás dos vidros das janelas e pelas aberturas das portas para verem o que iria acontecer. Com os corações em alvoroço decidiram sair todos para a rua. E foi então que começaram a distribuir cravos vermelhos pelos soldados que os colocaram nos canos das espingardas.
- Viva! – Gritou o Cravinho RebeldeFomos famosos!
- Todos juntos obrigaram os Homens Maus a fugirem do país. E durante aquele dia festejaram a liberdade conquistada de cravos vermelhos ao peito e bandeiras nas mãos; falaram alegremente sobre tudo e muitos choraram de alegria; sem receio, abriram as portas das prisões para os presos saírem e mandaram vir para junto das famílias os jovens que estavam na guerra; pelas ruas e ladeiras, pelos becos e pelos largos as vozes juntavam-se num só grito: “Viva a liberdade!” “Viva a liberdade!
Os cravinhos estavam emocionados. Sentiam-se vaidosos por saberem que os cravos tinham participado naquela aventura tão bonita.
- E sabem qual o nome que as pessoas dão à revolução de Abril?
- Qual? Qual? – Perguntaram os cravinhos, ansiosos.
- Revolução dos Cravos!
- Ena! Ena! Que maravilha! Uma revolução com o nosso nome!
- É por tudo isto que todos os anos, no dia 25 de Abril, as pessoas põem cravos ao peito e saem para a rua a festejar a liberdade que conquistaram. – Concluiu o Cravo Mais Velho do Canteiro do Lado - E tanto os pais como os professores contam às crianças o que aconteceu naquele dia maravilhoso da Revolução dos Cravos.
- Viva a liberdade! – Gritaram com alegria todos os cravinhos.
- Vou preparar-me para a festa! – Disse o Cravinho Rebelde.
- Eu também! Quero estar bonito, quando me vierem buscar! – Acrescentou o Cravinho Curioso.
- Posso ir com vocês…? – Perguntou o Cravinho Meio Escondido Entre Todos os Outros.


                                                                                  Eugénia Edviges

Um grande xi-coração

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