Na Rua do Pinheiro

quinta-feira, 17 de maio de 2012

A Ajuda da Fada Verde da Primavera



               Há muito tempo que Inês desejava ter uma bicicleta. Todos os colegas da escola já tinham uma. O Paulo, o mais fanfarrão deles todos passava, todo vaidoso, frente a ela em cima de uma linda bicicleta preta e branca. Quando é que os pais pensavam em lhe dar uma? Inês já tinha sete anos! Bem…Quase oito.
               Foi grande a sua alegria quando no dia do seu aniversário o pai e a mãe lhe deram de presente uma linda bicicleta. Era branca e vermelha, com um cesto de metal encaixado no guiador.
Mas…tinha rodinhas…! Rodinhas! Como é que ela poderia enfrentar o Paulo com a sua bicicleta vermelha…sem rodinhas? Difícil questão.
               A mãe dissera-lhe:
- Inês, terás primeiro de aprender a andar com as rodinhas.  
               Não. Ela nunca iria para a rua com as rodinhas na bicicleta. Que vergonha! Com certeza que todos os amigos, incluindo o Paulo, rir-se-iam dela.
               No dia seguinte Inês andou de bicicleta no quintal da sua casa. Teria de aprender depressa. Era urgente.
               O tempo passava e Inês não se sentia ainda segura para tirar as rodinhas.
- Nunca serei capaz! – Pensava ela, entristecida. – Não tenho coragem de tirar as rodinhas…
               Sentou-se, desolada, junto ao jardim dos malmequeres brancos que, naquela altura do ano, estavam floridos. Pensativa, encostou-se ao vaso de sardinheiras e fechou os olhos.
- Para tudo é preciso coragem…
               De quem seria aquela voz que ouvia? Era uma voz tão fina, tão melodiosa.
- Quem está aí? – Perguntou Inês admirada.
- Sou eu.
               E no meio das flores surgiu uma fada de longos cabelos loiros e com um vestido verde,  salpicado de malmequeres.
- Quem és tu?
- Sou a Fada Verde da Primavera. Apercebi-me do teu problema e quis vir dar-te uma ajuda.
- Já sei! Vais usar em mim a tua varinha de condão para eu não cair da bicicleta quando tirar as rodinhas.
- Não. - Respondeu a Fada Verde da Primavera – Não irei usar a varinha de condão. Terás de ser tu a decidir o que fazer. Pretendes esconder-te e utilizar a bicicleta apenas no teu quintal? Ou será que preferes mostrá-la a todos os teus amigos e divertires-te com eles, fazendo corridas no jardim?
- Prefiro…estar com eles. Mas não serei capaz sem a ajuda das rodinhas…
- Já tentaste?
- Não.
- Então, enquanto não experimentares não vais saber se consegues ou não.
- Decerto que vou cair.
- Passarás por várias contrariedades até chegares ao que pretendes, como por exemplo, esfoladelas nos joelhos e nos cotovelos. O que conta é a tua força de vontade. Adeus Inês. Decide bem.
               A Fada Verde da Primavera desapareceu envolta nos malmequeres do jardim. Inês abriu os olhos.
- Adormeci e sonhei… - murmurou.
               Mas ficou a pensar no sonho que tivera. Sim, na verdade, era preciso ter força de vontade e tentar. Porque não?
Depois de o pai ter tirado as rodas Inês, receosa, tentou equilibrar-se em cima da bicicleta. As pernas tremiam-lhe enquanto apertava o guiador com toda a força. Muito a custo endireitou-se e conseguiu dar uma volta aos pedais.
- Ai…Ai…Ai…Mã…e!
               Catrapuz. Foi aterrar direitinha sobre o estendal. A bicicleta, com a roda de trás a girar e Inês enrolada no lençol branco, bordado, da avó.
- Não sou capaz.
               Mas as palavras da Fada Verde da Primavera vieram-lhe à mente: “O que conta é a tua força de vontade”
               Mais uma vez tentou a acrobacia. Parecia-lhe, agora, estar mais segura sobre o selim. Um, dois, três! Inês conseguiu dar três voltas aos pedais. Sorria de satisfação mas sem desviar os olhos da roda da frente.
               Mas eis que surge da cozinha o manhoso do Tareco passando a correr frente a Inês! Ai! Novamente catrapuz! Inês cambaleou e caiu ficando com a bicicleta em cima de si. Irada, olhou para o bichano, de rabo alçado, sobre o telhado da arrecadação.
               Mas Inês não desistiu. As palavras da Fada Verde da Primavera não lhe saíam da cabeça e, depois de muitas esfoladelas nos joelhos e muitas investidas contra o estendal, Inês aprendeu a andar de bicicleta. Sem rodinhas!
               Era grande a sua felicidade. Desejava mostrar a bicicleta ao Paulo, talvez fazer uma corrida com ele.
               Os amigos estavam todos no jardim quando lá chegou montada na sua linda bicicleta.
- Viva! – Gritou Paulo ao vê-la. – Que linda bike que tu tens! Queres fazer uma corrida connosco?
- Com certeza!
- Consegues aguentar-te sem cair?
- Sei muito bem andar de bicicleta. Tive uma boa professora…
- Quem te ensinou?
- A Fada Verde da Primavera. – Respondeu feliz enquanto olhava a Fada Verde da Primavera que lhe sorria entre as flores do jardim.


Um grande xi- coração


domingo, 13 de maio de 2012

O Papagaio Bem Ensinado


Era um papagaio muito bem ensinado. Tinha poiso à porta de uma mercearia. De uma vez que o merceeiro estava lá para dentro, um freguês, por pirraça, ensinou o papagaio a dizer: "Está tudo podre".
E o papagaio, de aí em diante, não disse outra coisa. O anúncio, lançado aos quatro ventos, afastava a clientela.
Mal chegava alguém ao balcão da mercearia, o papagaio avisava:
- Está tudo podre.
Ficava furioso o merceeiro:
- Este papagaio leva-me à ruína - dizia o merceeiro. - Tenho de dá-lo.
E assim fez. Deu-o a um barbeiro.
Por sinal, o tal malandrote, que convencera o papagaio a dizer "Está tudo podre", também frequentava a barbearia. À socapa, ensinou-o a dizer: "Corta-lhe a orelha".
O papagaio passou a repetir. Por tudo e por nada, assim que o cliente se sentava na cadeira, o papagaio pedia:
- Corta-lhe a orelha.
Isto enervava o barbeiro e enervada o barbeado.
- Tenho de ver-me livre deste animal - disse o barbeiro.
E atirou-o pela janela. Mas o papagaio, que não estava habituado à liberdade, voltou a poisar no parapeito.
Isto uma, duas, três vezes, até que o barbeiro, já exasperado com a teima do passaroco, foi buscar uma caçadeira e deu uns tiros para o ar, só para afugentá-lo, enquanto gritava:
- Rua! Rua!
O papagaio esvoaçou, a princípio atarantado, mas depressa ganhou altura e voou feliz. Passado muito tempo, foi ter a um armazém em ruínas.

Cansado da viagem, acolheu-se a um recanto protegido e adormeceu.
Ora o armazém era frequentado, à noite, por duas quadrilhas de contrabandistas e ladrões, que aí faziam as suas trocas e baldrocas.
Estavam os membros das duas quadrilhas a descarregar e a carregar fardos, quando o papagaio, acordado com o barulho, soltou o aviso, ainda trazido do sonho e das suas recordações:
- Está tudo podre.
- Quem é que disse que está tudo podre? - perguntou o chefe de um dos band
Nisto, ouviu-se uma voz a gritar:
- Corta-lhe a orelha.
Pior ainda. Armou-se uma zaragata entre os dois grupos, em que ninguém ficou de fora.
Então, o papagaio, assustado, lembrou-se dos tiros da caçadeira com que o último dono o afugentara.
Deu-lhe para reproduzi-los, enquanto imitava também a voz do barbeiro:
- Rua! Rua!
Os bandidos, assim que ouviram os disparos, saltaram de medo, supondo que era a polícia. Fugiram todos, rua fora, largando tudo.
O papagaio bem ensinado acertara, ao menos uma vez, no que dizia.


Texto de António Torrado