Lenda das Bicas ou da Fonte da Bica da Caza
Num
castelo situado no alto de uma montanha vivia uma rainha moura. Ela era meiga,
caridosa e muito, muito bonita. O rei nunca amara ninguém como amava a sua
rainha e dela dizia sempre:
- É o meu raio de sol. É o ar que respiro.
A
rainha tinha tudo para ser feliz. No entanto vivia muito triste. Nunca se vira
um sorriso nos seus lábios. Mantinha a testa sempre enrugada e os olhos
tristonhos por onde caíam, muitas vezes, duas lagrimazitas teimosas. O rei
vivia angustiado. Tudo fazia para a animar: depunha a seus pés as mais bonitas
flores campestres; oferecia-lhe aves de lindas plumagens em gaiolas doiradas;
dos pomares do castelo trazia-lhe cestos de fruta fresca e sumarenta;
consultara os médicos mais importantes, os feiticeiros mais experientes em
práticas curativas aprendendo com eles as mais variadas rezas e unguentos.
A tristeza da rainha chegara a todo o lado e
de longe vinham poetas recitar-lhe os mais lindos versos de louvor:
Rainha, moura encantada
Não escondas o teu
olhar
Que este sol que
nos aquece
Também deixa de
brilhar
Rainha, moura
bondosa
Mostra o teu
sorriso agora
Que
por ver tanta tristeza
O meu olhar também
chora.
Rainha, moura
infeliz
Nos versos faço um
apelo
Canta e ri enquanto
bordas
Na varanda do teu
castelo
Tudo
fora em vão. Dos seus lábios apenas se ouvia um “obrigada” amargurado. Na
varanda do castelo soltava os suspiros mais profundos, apesar dos seus dedos
esguios bordarem, em panos de seda, lindos motivos de todas as cores.
A
causa do seu desgosto era não ter filhos. Um filho dar-lhe – ia alegria e força
para viver. Seria a continuação das suas vidas. Nada nem ninguém poderia
substituir essa felicidade. A rainha entristecia cada vez
mais por não ter um filho, um filho há tanto tempo esperado.
Os anos passaram e a rainha alcançou a idade em que já não poderia conceber. A sua tristeza não tinha limites, as suas lágrimas deixavam sulcos de mágoa pelo seu rosto, que continuava belo.
Naquela tarde, o rei contemplava do
alto da torre do castelo, o mar desconhecido e profundo que se estendia até à
linha do horizonte. Mar impenetrável, temeroso, impossível de atravessar. O sol
afogava-se nele e o céu ruborizava, colorindo-se de violeta e laranja, qual
tela de pintor imaginário. O rei voltou-se então para norte e olhou extasiado
para os campos ao redor. Ao longe, entre o verde das árvores, serpenteava um
rio, qual cobra prateada a rastejar. A norte havia um mundo por descobrir. Foi
então que o rei teve uma
ideia que lhe pareceu a solução ideal para
alegrar a sua rainha.
- Iremos viajar! Conhecer outros lugares!
As novas e bonitas paisagens que iremos visitar farão com que a rainha se sinta
feliz e esqueça o seu mal de não conceber.
Nessa
noite expôs a ideia à rainha que o ouviu sem mostrar qualquer interesse. Para
ela nada havia que a alegrasse, que lhe desse razões para viver. Mas, ao ver o
entusiasmo do marido, aceitou o convite dizendo:
- Sim meu esposo. Por que não? Viajaremos
os dois para além do horizonte.
O
rei depressa deu instruções sobre tudo o que era preciso preparar para a
viagem. Foram aparelhados os cavalos mais robustos do castelo. Os criados
escolhidos para acompanhantes dos reis não descansaram nessa semana, tratando
de todos os pormenores para que nada faltasse durante a expedição.
E
chegou o dia ansiado pelo rei. Na manhã em que partiram as nuvens afastaram-se,
deixando o sol inundar o dia com uma luz quente e doirada.
Seguiram
para norte em direcção à serra salpicada de casas branquinhas e por rios de
margens frondosas, cujas águas procuram escoar entre penedos.
Passaram alguns dias. Ficara para trás
aquela maravilhosa serra coberta de urze e de estevas. À sua frente estendiam-se
pequenos montes encimados por casas fustigadas pelo vento e adornadas com
barras de um azul inquietante. Pelas encostas espalhava-se a
humildade dos chaparros. Ali, naquela terra
de beleza irreal e misteriosa, o sol era abrasador.
A
viagem continuou um pouco mais apressadamente para fugirem àquele calor
impiedoso.
O
rei e a comitiva extasiavam-se com toda a diversidade daquelas terras antes
desconhecidas. Em cada recanto, em cada rio, em cada penhasco descobriam novos
motivos de regozijo. Apenas a rainha continuava de semblante entristecido.
Impávida, olhava em frente sem mostrar qualquer emoção pela paisagem que a
rodeava.
Estava aquele dia a findar quando a comitiva
parou frente a um campo que se estendia às margens de um rio. Era um prado de
erva viçosa que alimentava uns toiros possantes negros como o carvão.
- É a lezíria… murmurou um dos criados
curvando-se submisso frente à rainha.
Sob os sobreiros, que embelezavam aquele
espaço tão belo, os corvos esgravatavam a terra. Por vezes voavam em círculo ao
redor das árvores. A este, ao alcance do olhar, erguia-se um povoado. A
claridade alaranjada do pôr-do-sol incidia sobre as fachadas brancas das casas.
Um lugarejo que era a sentinela daquele campo a seus pés. A comitiva conseguia
distinguir searas que ondulavam sob a subtil aragem da tarde.
A
rainha olhava atentamente. Pareceu ao rei que a sua mulher estava a dar alguma
atenção àquele lugar, o que não acontecera em toda a viagem.
- Meu rei – balbuciou
ela – quero pernoitar naquela povoação. Parece ser o sítio ideal para
descansarmos.
O
rei sorriu de felicidade. A rainha gostava daquele lugar. Talvez, quem sabe,
ali voltasse a sorrir.
Mandou dois dos criados à povoação em busca de
alojamento.
Enquanto esperavam pelo regresso dos criados, o rei e a rainha
dirigiram-se para um local de árvores frondosas, que lhes daria uma agradável
sombra para descansarem. À medida que se aproximavam ouviam cada vez mais com
nitidez o cantar de água a correr. Era uma fonte alimentada por várias nascentes
de água límpida e fresca. A rainha ajoelhou-se junto à nascente de água e,
abrindo a mão em concha, bebeu sofregamente sentindo-se depois leve como uma
pena e extasiada com a frescura da água e com aquele local paradisíaco.
Retomaram
o caminho após a chegada dos criados que os guiaram em direcção à hospedagem.
Seguiam pelo caminho de terra batida que conduzia à localidade.
No
dia seguinte quando o rei ordenava aos criados os afazeres para a partida, a
rainha chegou perto dele e disse:
- Meu rei, não
partimos. Este local é tão lindo. Vamos ficar mais um dia ou dois para
visitarmos todas as imediações.
O
rei sorriu para ela e respondeu:
- Ficaremos, minha rainha o tempo que
quiser. Só quero que se sinta bem.
Todas
as manhãs a rainha ia beber água à bica antes de iniciar os seus passeios. Algo
a retinha naquele local. Não sabia explicar o que sentia nem a força que a
fixava ali. O rei andava feliz por ver a mulher com o semblante mais sereno.
Parecia até feliz.
Passaram
os dias e as semanas.
Certa
manhã a rainha saiu do quarto apressadamente dirigindo-se a passos largos para
a cozinha onde se encontrava o rei a merendar. Levava no olhar o sol da manhã e
nos gestos a graça de uma ave. Ao chegar perto do rei, que a olhava espantado,
disse com um sorriso resplandecente nos lábios.
- Meu rei, estou de esperanças. Vou ser
mãe!
O
rei olhou a sua amada como se não acreditasse no que ouvia. Enlaçou-a pela
cintura e depositando-lhe um beijo na alva testa, exclamou:
- Qua a festa comece! Que soem trombetas! O
nosso príncipe vai nascer. Minha adorada.
Passaram-se
os meses. A criança nasceu sem qualquer problema para júbilo dos pais que a
olhavam embevecidos.
Os
reis adoptaram aquela terra como se fosse sua. Ali tinham alcançado a
felicidade. Nunca mais partiriam.
O boato soltou-se. A partir daquela altura as
mulheres estéreis vão à bica todas as manhãs beber a água milagrosa para assim
conceberem e serem mães.
Eugénia Edviges
A Fonte das Bicas ficava um pouco distante da povoação mas toda a gente ia lá buscar água por que realmente era uma água muito boa para beber.
Espero que esta postagem vos desperte a curiosidade para o conhecimento das lendas e do que elas representam para a história local.
Um grande xi-coração